segunda-feira, outubro 31, 2005

É só por este rosto de selvagem formosura


É só por este rosto de selvagem formosura
que eu tento construir a casa respirada
ao rumor das pálpebras e na leve matéria
que se liberta da noite e dos joelhos da terra
A nudez pertence-nos como um fruto entre as folhas
e no círculo onde a luz é mais pura estão as redondas
dunas
Uma lâmpada de pedra contém, toda a sabedoria do
Opaco
Ergues o peito aéreo e nos teus artelhos gira a graciosa
roda
A ferida recolhe o orvalho da transparente presença
Lentamente a pluma ergue-se com o torso leve e os
reflexos da água
És a visitadora que vagarosa germina com a lenta
frescura
No tumulto das palavras insinuas o mistério das árvores
e com a rosa dos cabelos perfumas a aridez do poema
Deixas cair as vestes numa suave violência
e o segredo espalha-se em mil sílabas aéreas.


ROSA, António Ramos (1992) AS ARMAS IMPRECISAS. Porto: edições Afrontamento (9)