quinta-feira, outubro 20, 2005

Lição das coisas


O braço triste das coisas que não mudam,
o seu silvo na noite ou seu suspiro,
a boca desas coisas é sinistra,
suave todavia a sua sombra.

Essas coisas são nossas e superam-nos,
passam além de nós por declives,
calendários, filhos, netos, passatempos.

Essas coisas são doces ou simulam
presençaspouco atrozes. Substituem-se
mas nem por isso fogem. São supérfluas
ou asquerosamente serviçais.

Sucedem-se essascoisas em esconsos
espaços e soturnos sítios habitados.
Movem-nos por imutáveis.
Seráficas e cínicas, vigiam-nos.

Somos nós, muitas vezes, essas coisas.

NAVARRO; António Rebordão (2005). LONGÍNQUAS ROMÃS e alguns animais humildes. ANTOLOGIA. Selecção e prefácio de fancisco Duarte Mangas. Porto: ASA (37)