quarta-feira, janeiro 21, 2009

O Acidente (2ª e última parte)


Ficámos sós. Meus pais e eu. Não temos mais família, meus pais já não são novos porque fui um filho tardio. Nasci, tinham ambos 43 anos. Já lá vão vinte e dois, façam as contas que são simples.
Neste momento meus pais têm sessenta e cinco anos, sendo meu pai mais novo, do que minha mãe, cinco meses e três semanas.

Esta não é, nem de perto nem de longe, a vida que para mim desenhara e cujo caminho prosseguia. É certo que posso acabar o curso de advocacia, estava no 3º ano quando o acidente ocorreu, era o melhor aluno do meu curso e todos me auguravam um futuro brilhante.
Eu, é que não sei se o quero.

Praticava surf, corrida de obstáculos e iniciara-me no alpinismo.
Fui sempre muito independente. Apesar de filho único e tardio meus pais não me prenderam nem na dobra da calça de um, nem na barra da saia de outra. Incentivaram a minha autonomia e independência.
Amo a vida, amo meus pais e posso dizer que sempre gostei de mim, nunca estive de mal com a vida, mas neste momento pondero, como séria hipótese, a questão da eutanásia.
A saúde de meus pais não é brilhante, o corpo morto que é agora o meu, pesa excessivamente no de minha mãe que me lava, muda e faz tudo o que necessário é para a minha higiene e conforto.

Meu pai, que sonhava deixar o emprego e dedicar-se a alguns dos seus hobbies criativos para os quais nunca tivera muito tempo, viu-se obrigado a continuar e a arranjar mais um part-time para que nada me falte.
Fazem tudo com boa disposição, bonomia, até alegria e prazer por me puderem ser úteis e minorar o mal que foi feito.
Sei que sofrem pelo meu estado, mas o seu amor é maior do que tudo.
E porque o meu por eles também o é tenho que avaliar e bem, de cabeça fria, as condições de sobrevivência com dignidade sem os sobrecarregar e equacionar a minha vida à medida do seu envelhecimento e após a sua morte.

Por termo à vida é uma decisão que pode vir a revelar-se como necessária.