quinta-feira, janeiro 15, 2009

O Acidente (1ª parte)




Posted by Picasa

O sol entra pela janela do quarto e bate na cama, por vezes no meu rosto, dependendo da estação do ano e da rotação da terra.

A cama é articulada, permite que a coloquem em várias posições, desde as que me facilitam a leitura, às que me permitem, como agora, escrever no computador portátil que almas generosas, via um programa televisivo, que nunca vejo, me ofereceram.
Podem ainda fazer vários conjuntos de posições, levantando ou baixando, mais ou menos, uma das três partes articuladas que a compõem, de forma a dar-me o máximo conforto.
Nesse capítulo não tenho que me queixar.
Tirando o facto de ter ficado paralisado, de só mover o pescoço e os membros superiores, de ter perdido a juventude e os sonhos que a alimentavam e forjavam, não há nada de que me possa queixar.

Até o imbecil que se embriagou e insistiu em conduzir, contra a opinião dos amigos, veio rojar-se aos meus pés, e não falo figurativamente, pedindo perdão, desejando dedicar o resto da vida a cuidar de mim, a transportar-me para onde quisesse, a passear-me pela cidade ,...
Um sem número de coisas que estava disposto a fazer para que o perdoasse e pudesse assim redimir-se do seu grave crime.

É claro que rejeitei toda e qualquer oferta.
Não por raiva ou ódio.
Ao vê-lo ali, a meus pés, numa tal aflição perdoei-lhe o ter-me atropelado, o ter-me roubado a vida que projectava, a normalidade desejada só quando se perde apercebida.
Perdoei-lhe, é verdade, mas também o fiz por mim.
Se calhar mais por mim do que por ele.
A sua presença constante, com as lágrimas sempre a irromperem, a culpa a pesar-lhe mesmo depois de perdoado o crime e a interpor-se entre nós, feita presença, fazia-me mal, reacendia em mim uma zanga que longe dele, ou na sua ausência não existia.
Libertei-o de todos os encargos que comigo queria assumir, de todas as responsabilidades que implicassem a sua presença. Dispensei-o, ao fim e ao resto ...,
Disse-lhe que seguisse a sua vida e me deixasse seguir com a minha, lembro-me, quando lhe fiz esta afirmação, ouvir dentro de mim um riso escarninho..., sem ter que o ver permanentemente.
A culpa estampada no rosto, atitudes e gestos.