segunda-feira, dezembro 12, 2005

As cartas que escrevemos


Ao longo da vida escrevemos cartas.
Muitas.
Muitas mais do que nos lembramos.
Escrevemos cartas com o pensamento e que só nele ficam e habitam.
Escrevemo-las com símbolos outros e palavras.
No papel. Ou em qualquer outro material onde possam ser impressas.
Impressos os símbolos.
Telas, tecido, madeira, pedras, areia, cal, paredes, almas....e no vento.
Escrevemos muitas cartas no vento, nos ventos...
Todas têm destinatário fixo, determinado. Que à escrita nos levou.
A umas mandamo-las, outras não.
Guardamo-las, ou rasgamo-las.
Podemos ainda queimá-las...
As que enviamos e chegam, a quem devidas, podem ou não ser lidas.
Podem ser lidas mas não compreendidas...
Podem ser compreendidas e o momento ter passado porque a compreensão lhes foi anterior.
A maioria escrevemo-las no pensamento.
Com o pensamento.
E ficam a ecoar em nós.

Bandos loucos de aves soltas turbilhonando as almas....o ser.

Hoje a propósito de todas as nossas "cartas" ofereço-vos este belo poema de Ruy Ventura.

escrevo-te cartas
que nunca irás receber
a morada desaparece
sempre que tentamos encontrar
não uma porta, mas uma casa inteira.
desligo tudo dentro deste quarto.
ouço, incompleto, - com a janela
entreaberta ao fresco da noite -
cada pequeno ruído,
como se fosse um código para nos entendermos.

Ruy Ventura